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HISTÓRIA

Andava devagar perto de imagem de santo. 

Mais passos e mais santos surgiam. Quanto mais olhava para as imagens, mais elas encaravam de volta.
Tinham umas que olhavam diretamente nos olhos. Já não tinha para onde correr sem ser vigiado pelos santos que não eram seus e por gente morta pintada em quadros sobre fotografias, com molduras talhadas em madeira escura e velha. O ar era pesado. 

 

A infância na roça e a bíblia bizantina gigante foram os primeiros contatos com a arte antes mesmo de saber o que era arte. 

Preto viver em Trindade, no meio de Goiás, era conhecer de perto o lado profano das festas religiosas a partir dos bastidores da fé cristã, uma espécie de Casa-Grande & Senzala 2.0, um apartheid estrutural, para só depois entender sua verdadeira origem e o que o havia levado até ali. Crescer era se sentir atravessando por culpas, lutos, medos e devoção de uma legião sem saber o porquê de aquilo tudo ser assim.
 

O curioso é que, quando se vive à margem, o profano é mais verdadeiro e sacro do que o dito sagrado – o que não anula que a Trindade pintada para romeiros era para ele sinônimo de medo e arrependimento. Medo de todos os olhares e arrependimento de apenas existir. 

Para ser sincero, nem de religião ele gostava, era mais uma pulga que carregava atrás da orelha. Ou seria uma cruz que carregava nos ombros por se sentir tão diferente naquele mundo mesmo sendo José e Jesus ao mesmo tempo?


A arte passou a ser refúgio. Não a daqueles santos que o encaravam como juízes, mas sim a arte da Trindade preta, a Trindade que acolhia, que ele podia sentir e ver. Que ele podia ser, sem culpa e sem medo. 

Seu mundo era a Trindade pagã, em que Jesus era preto, era homem de mãos fortes e era menino como ele. Em que Maria era preta com olhar hipnotizante. Em que Deus era mulher, preta e gorda, que acolhia, amava e não julgava. Quando foi de encontro às suas verdadeiras origens na vida, foi ali que viu, pela primeira vez, uma família que podia olhar e ser aceito sem antes ser julgado.

E mesmo antes de conhecer de perto toda essa santidade já sabia que essa era a santidade da sua arte.

Eis a santíssima Trindade da sua arte: pagã, profana e de Jesus também. Saravá!

Texto: Anderson Neris

Jesus Credo grafitando mural

JESUS CREDO / ARTISTA VISUAL

Izzy Credo procurando materiais em sacola

IZZY CREDO / ARTISTA VISUAL

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